Desvios de R$ 50 mi levam à cadeia a cúpula de cidade do Espírito Santo financiada por royalties (Josias de Souza)
Acionadas pelo Ministério Público do Espírito Santo há seis meses, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União viraram do avesso a prefeitura do município de Presidente Kennedy. Detectaram-se desvios estimados em cerca de R$ 50 milhões.
Nesta quinta (19), foram ao meio-fio 230 policiais federais. Executaram 51 mandados de busca e apreensão. Prenderam 28 pessoas. Entre elas o prefeito da cidade, Reginaldo Quinta (PTB), seis secretários, o procurador-geral do município, servidores, empresários e dois PMs –um deles comandante da Guarda Municipal.
Deu-se à investida o sugestivo nome de Operação Lee Oswald. Uma referência ao atirador apontado em inquérito oficial como assassino solitário do presidente americano que dá nome à cidade capixaba. O caso ganhou destaque nos sites do Ministério Público e da CGU. Viroumanchete na imprensa local.
É grande o rosário de crimes que a PF diz ter encontrado em Presidente Kennedy: corrupção ativa e passiva, advocacia administrativa, prevaricação, peculato, falsidade ideológica, fraude em licitações, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O prefeito Reginaldo Quinta é acusado de chefiar a quadrilha.
A prisão do chefe do Executivo municipal e do seu staff levou ao fechamento da prefeitura. Produziu-se um um cenário esdrúxulo. Chama-se Edson Nogueira (PSD) o vice-prefeito. Em outubro de 2011, a Câmara de veradores cassou-lhe o mandato. Alegou-se que ele não residia mais na cidade. Mudara-se em 2009.
A cassação foi anulada por uma decisão judicial. Porém, o presidente da Câmara, Dorlei Fontão (PV), segundo na linha sucessória, recorreu ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo. E o processo encontra-se pendente de julgamento.
Ausente da cidade no instante em que os agentes varejavam casas e repartições públicas, o vice Edson Nogueira foi alcançado pelo telefone. “Terminado o trabalho da Polícia Federal na prefeitura, acho que a Justiça vai determinar minha posse”, declarou, como que corroborando a inusitada anencefalia do poder municipal.
Não fosse a roubalheira, Presidente Kennedy tinha tudo para ser um pedaço de paraíso assentado no extremo Sul do mapa do Espírito Santo. Mede 586.464 km². De acordo com o último censo do IBGE, é habitado por 10.903 pessoas. Por graça divina, é banhado por belas praias e ricas jazidas de petróleo.
Em terra, a cidade dedica-se à pecuária e ao cultivo de mandioca, maracujá, cana-de-açucar e mamão. Vem do mar o grosso de sua arrecadação. Benefica-se da produção de cinco campos petrolíferos da Petrobras: Baleias Jubarte, Anã, Azul, Franca e Cachalote.
O município é campeão na coleta de royalties no Estado. Descem às suas arcas 20% de todo dividendo que a extração de óleo rende ao Espírito Santo. Em 1999, a prefeitura arrecadava inexpressivos R$ 133,2 mil. No ano passado, coletou notáveis R$ 208,2 milhões. Apenas nos três primeiros meses de 2012, amelhou R$ 42,7 milhões.
Combinando-se o faturamento com a população miúda, a cidade poderia ter um PIB per capita de padrão assemelhado ao de nações desenvolvidas. Dá-se, porém, o oposto. No ranking educacional do Espírito Santo, Presidente Kennedy segura a lanterna. No IDH, índice de desenvolvimento humano da ONU, ostenta a quarta pior taxa do Estado.
Num instante em que o Congresso discute o projeto que transfere parte dos royalties amealhados por Estados produtores –Rio, Espírito Santo e São Paulo—para as outras 24 unidades da federação sem-óleo, o caso de Presidente Kennedy serve de aviso: submetida ao descalabro, a riqueza do petróleo conduz à ruína administrativa, não à prosperidade social.
O desembargador Pedro Valls Feu Rosa, signatário dos mandados judiciais da Operação Lee Oswald, anotou em seu despacho que, em Presidente Kennedy, “os recursos são, na verdade, utilizados para satisfazer a ganância e a volúpia de um reduzido grupo.”
Recheado de diálogos vadios captados por meio de grampos telefônicos, o inquérito policial revela que funcionava na prefeitura uma usina de licitações de cartas marcadas. Entre os contratos que se encontram sob suspeição, o maior soma R$ 18 milhões. Envolve uma empresa chamada Pulizie.
No papel, prestava serviços de apoio administrativo, conservação e limpeza predial. Nas páginas do processo, a firma é apresentada como logomarca de fachada, constituída para alojar apaniguados políticos. Venceu uma licitação de fancaria, contra um único concorrente, a Masterpetro. As duas empresas, a ganhadora e a perdedora, têm um só dono: Cláudio Ribeiro Barros.
Outra empresa, a Matrix, foi contratada pela prefeitura para desenvolver softwares educacionais. Beliscou um contrato de R$ 1,16 milhão. Em visita ao endereço informado pela contratada, os investigadores informaram ter encontrado um terreno baldio. Pelo município, negociou o contrato a secretária de Educação Geovana Quinta Costalonga. É sobrinha do prefeito. Responde por outras duas secretarias. O tio Reginaldo Quinta via nela uma herdeira política.
A PF, a CGU e o Ministério Público capixaba descobriram outra esquisitice no consumo de combustível da prefeitura. Firmou um contrato de R$ 1,93 milhão para abastecer os seus 37 automóveis no ano de 2012. Considerando-se um consumo médio de 10 km por litro, cada veículo daria três voltas no planeta. A frota inteira daria 111 voltas ao redor do mundo.
Nas batidas policiais realizadas nesta quinta, os agentes federais recolheram R$ 247 mil em dinheiro vivo —dos quais R$ 20 mil encontravam-se na casa do prefeito. Colecionaram-se, de resto, papéis que encheram cem malotes. Os responsáveis pelo inquérito ganharam farta matéria prima para reforçar os desvios já detectados e, eventualmente, farejar malversações ainda desconhecidas.
O prefeito ainda não constituiu advogado para cuidar de sua defesa. Pedro Cordeiro, o doutor que defende Reginaldo Quinta noutros processos, visitou-o na cadeia. Disse que seu cliente chorou. “Como foi tudo de repente, as coisas não estão definidas. O prefeito está em estado de choque, não teve tempo de pensar em defesa”, afirmou o advogado.
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