Há escândalos demais no noticiário. São tantos e tão disseminados que recomendariam a conversão da ética num tema obrigatório da campanha eleitoral. Prevê-se, porém, o oposto. Os comandos dos principais partidos não cogitam, por ora, priorizar o assunto em 2014. Deve-se o fenômeno ao receio de que a disputa se converta numa espécie de gincana dos sujos contra os mal lavados.
Sob o argumento de que o mensalão não impediu a reeleição de Lula em 2006 e a eleição de Dilma Rousseff em 2010, o PSDB do presidenciável Aécio Neves hesita em adicionar a prisão dos mensaleiros petistas ao seu arsenal de marketing. Atrás da tese da inutilidade esconde-se, em verdade, o medo do troco.
Afora o mensalão do tucanato mineiro, ainda pendente de julgamento no STF, o PT estoca em seu paiol dados sobre o derretimento moral do PSDB de São Paulo. No mesmo dia em que José Dirceu e José Genoino se entregavam à PF, descobriu-se que a Justiça da Suíça condenara por lavagem de dinheiro o ex-diretor da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), José Roberto Zaniboni.
Acusado de receber numa conta aberta em banco suíço propinas de R$ 1,84 milhão da Alstom, Zaniboni atuou nos governos tucanos de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. O generalato do PSDB paulista reage à moda Lula: ninguém sabia. Ao caso da Alstom, soma-se a autodenúncia da Simens sobre a formação de cartel para fraudar licitações de trens e metrôs em São Paulo.
Contra o governador tucano Geraldo Alckmin, candidato à reeleição, o PT empina o nome do ministro Alexandre Padilha (Saúde). O partido equipava-se para esfregar a Alstom e a Siemens na reputação do rival. De repente, estourou no colo do prefeito petista Fernando Haddad o caso da máfia dos fiscais que mastigaram pelo menos R$ 500 milhões da coleta de ISS do município.
Quando Haddad agia para empurrar a encrenca para dentro da biografia do antecessor Gilberto Kassab (PSD), amigo e herdeiro do tucano José Serra na prefeitura paulistana, o nome do secretário de Governo petista Antonio Donato soou com frequência incômoda nos diálogos vadios dos gampos telefônicos e nos depoimentos de fiscais enrolados. Donato recebeu R$ 200 mil, disse a ex-namorada de um fiscal. Ele recebia mesada, depôs um dos investigados, forçando o homem forte de Haddad a renunciar.
O ‘efeito sujo versus mal lavado’ já havia permeado a campanha municipal de 2012. Num debate televisivo ocorrido em 3 de agosto, uma das jornalistas escaladas para inquirir os candidatos alvejou Fernando Haddad com uma pergunta sobre o mensalão e a aliança aética que firmara com o PP do ex-inimigo Paulo Maluf. “Eu e a presidenta Dilma fomos convocados no auge da crise política de 2005 para ocupar cargos importantes”, escorregou Haddad.
Abstendo-se de defender os companheiros, à época presidiários esperando para acontecer, Haddad apresentou-se como parte da solução, não do problema. Sob Lula, Dilma fora convocada para arrumar a Casa Civil que José Dirceu bagunçara. E Haddad assumira na pasta da Educação a cadeira de Tarso Genro, despachado por Lula para a presidência de um PT em chamas. Eis a sua tese: foi tão bem como ministro que Lula enxergou nele um personagem apto a encarnar “a renovação nos ares da política nacional”.
Como Haddad saltara Maluf na sua resposta, a então candidata Soninha Francine, que representava o PPS na disputa, foi fulminantemente breve numa pergunta que lhe coube dirigir ao rival do PT por sorteio: “E o Maluf, Haddad?” O pupilo de Lula defendeu-se apontando para a falta de asseio das outras coligações.
“Não gosto de fulanizar a política”, disse Haddad, antes de dar nome aos bois. “Poderia falar que o Celso Russomanno [aliado ao PTB] é apoiado pelo Roberto Jefferson, que o José Serra [enganchado ao PR] é apoiado por Valdemar Costa Neto. Poderia fazer ilação contra basicamente todo mundo que está aqui. [...] Quem tem que explicar apoio é quem deu. Estou recebendo o apoio do PP.”
Em tese, as fragilidades éticas de PSDB e PT tonificam o projeto presidencial de Eduardo Campos (PSB), já vitaminado pela aliança com Marina Silva. Mas a vitamina é apenas teórica. Campos e Marina eram ministros de Lula quando Roberto Jefferson levou o mensalão às manchetes, em 2005. Não ocorreu a nenhum dos dois tomar distância do governo.
Em 20 de setembro de 2012, quando os ministros do STF impunham as primeiras condenações aos mensaleiros, Eduardo Campos imprimiu suas digitais num manifesto em que o PT acusava a oposição e a mídia de transformar o mensalão num “julgamento político, golpear a democracia e reverter as conquistas que marcaram a gestão do presidente Lula''. Depois de assinar essa peça, ficou mais complicado para o neoaliado de Marina enrolar-se na bandeira da decência na política.
Candidata ao Planalto pelo PV na sucessão de 2010, a ex-petista Marina foi inquirida sobre o mensalão numa entrevista dada na bancada do Jornal Nacional. Por que não deixou o PT na época do mensalão?
Algo desconcertada, ela disse que não fora conivente nem silenciara. Condenara os malfeitos, mas “não tinha ninguém para me dar audiência e potencializar minha voz''.
Os entrevistadores insistiram: Por que não se demitiu nessa ocasião do Ministério do Meio Ambiente?
Marina tentou desviar-se do tema. Pôs-se a discorrer sobre a falsa dicotomia entre desenvolvimento e preservação ambiental. Chamada de volta ao tema da pergunta, saiu-se assim:
''Eu permaneci e fiquei indignada.''
De resto, o mesmo Eduardo Campos que agora adere à pregação de Marina por uma “nova política”, está a caminho de concluir seu segundo mandato como governador de Pernambuco enganchado a um conclomerado partidário de 14 siglas. A aliança inclui legendas como o PR do deputado pernambucano Inocêncio Oliveira e o PP do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti.
Inocêncio, um ex-pefelê que se alojou no PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto, carrega na biografia o uso do Departamento Nacional de Obras contra a Seca, o Dnocs, para cavar poços em dois empreendimentos de sua propriedade – uma clínica médica e uma revendedora de motocicletas.
Severino, outro ex-pefelê, esse alojado no PP de Paulo Maluf, teve de renunciar ao mandato de deputado federal quando se descobriu que cobrava ‘mensalinho’ de um concessionário de restaurante na Câmara. Hoje, para adensar seu tempo de propaganda na tevê, Campos cobiça o apoio do PDT de Carlos Lupi, uma legenda que converteu o Ministério do Trabalho em ninho de ONGs desonestas.
Após varrer Lupi do ministério na pseudofaxina de 2011, Dilma também disputa o apoio do PDT. Nesta semana, a
recandidata receberá a adesão do PSD de Kassab. O mesmo Kassab que, em São Paulo, o petista Haddad acusa de ter conduzido a prefeitura à desordem.
Na última quarta-feira, ao votar na sessão em que o STF decidiu deflagrar a execução das penas do mensalão, o ministro Luís Roberto Barroso fez uma alusão à atmosfera conspurcada. “No tocante à política, os fatos se apressaram em confirmar o que eu disse no primeiro dia de julgamento dos embargos de declaração: a corrupção não tem partidos e é um mal em si.”
Barroso prosseguiu: “Nesses poucos meses, explodiram escândalos em um Ministério (as ONGs da pasta do Trabalho, sob o PDT), em um importante Estado da Federação (o cartel da Siemens e as propinas da Alstom, sob o PSDB paulista) e em uma importante prefeitura municipal (a máfia dos fiscais paulistanos, sob PT e PSD). A mistura é a de sempre: uma fatia para o bolso e outra para o financiamento eleitoral.”
Difícil discordar de Barroso nesse ponto. O pior é que o eleitor que for buscar no discurso dos partidos os parâmetros éticos para tomar suas decisões em 2014 arrisca-se a tirar
confusões por contra própria.