quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Editorial: O trem tucano (Folha de São Paulo)

Ouvir o texto

Tornam-se cada vez mais comprometedoras as notícias em torno da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e seus contratos milionários. As suspeitas incidem sobre sucessivos governos tucanos no Estado.

O caso já é antigo, mas foi reavivado recentemente pela empresa alemã Siemens, que, em troca de imunidade nas investigações, levou às autoridades brasileiras documentos que indicam a existência de um cartel no sistema metroferroviário paulista --com a partilha de encomendas e elevação de preço das concorrências.

Ao menos seis licitações teriam sido fraudadas, segundo documentos internos da Siemens, que apontavam conluios durante as administrações de Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra.

Diante das denúncias, o governador Alckmin não apenas anunciou diligências --que se revelaram bem menos rápidas do que o prometido-- mas também acentuou que, até aquele momento, não havia indicações de participação de autoridades públicas no esquema.

Pois bem. Enquanto se bloqueavam as tentativas de realizar uma CPI sobre o escândalo, surgiram nomes de possíveis beneficiários de propina no governo.

Outra empresa associada ao cartel, a francesa Alstom, vinha sendo acusada de corromper governos em diversos países. Documentos obtidos por autoridades suíças sugerem que João Roberto Zaniboni, ex-diretor da CPTM, teria recebido US$ 836 mil (cerca de R$ 1,8 milhão) da Alstom.

Revela-se agora que, em 2011, as autoridades suíças pediam ao Ministério Público brasileiro investigações sobre quatro suspeitos, inclusive o próprio Zaniboni.

Nenhuma investigação foi feita, entretanto. E o motivo alegado para a omissão é de molde a desafiar a credulidade até mesmo dos mais ingênuos. É que o pedido vindo da Suíça foi arquivado numa pasta errada. Assim declara o responsável pelas investigações no Brasil, o procurador Rodrigo de Grandis.

Como esta Folha revelou no sábado, passados três anos, a Suíça desistiu de prosseguir no caso; as suspeitas foram arquivadas.

Não bastassem as notórias dificuldades brasileiras para julgar, condenar e aplicar penas aos suspeitos de corrupção, vê-se, no caso Alstom, a intervenção de um fator acabrunhante: o engavetamento puro e simples.

Desaparece o pedido, perde-se o prazo, enterra-se o assunto, reconhece-se a "falha administrativa". Que não fique por isso mesmo, para que o trem tucano não prossiga até a muito conhecida estação chamada Impunidade.

domingo, 20 de outubro de 2013

Congresso banca 'hábito gourmet' dos parlamentares
   
Bernardo Caram e Andreza Matais | Agência Estado
 
  • Divulgação
    Parlamentares têm direito à bela vista do lago
O aquecido mercado da gastronomia em Brasília tem atraído para a capital federal grifes paulistanas de restaurantes, como o Rubayat e o Gero do grupo Fasano. Entre a clientela habitual, estão parlamentares, que têm direito a custear as refeições com dinheiro público. Um levantamento feito pelo Estado mostra que o Senado tem reembolsado contas que chegam a ultrapassar R$ 7 mil.
O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) é um bom gourmet. Em homenagem a seu pai, o parlamentar levou amigos e parentes para jantar no Porcão, uma das mais caras churrascarias de Brasília, que oferece rodízio a R$ 105 por pessoa, e apresentou a conta ao Senado. A nota apresentada pelo senador para ressarcimento indica que o jantar custou aos cofres públicos R$ 7.567,60.
No mesmo dia do jantar, o plenário do Senado foi palco de uma homenagem ao pai do parlamentar, o ex-senador e ex-governador da Paraíba Ronaldo Cunha Lima, falecido em julho de 2012. Parentes, amigos e colegas do senador vieram a Brasília para participar do evento.
O ex-governador Cunha Lima ficou conhecido por ter disparado três tiros contra o seu antecessor Tarcísio Burity em um restaurante da capital João Pessoa. Em 2007 renunciou ao cargo de deputado federal para não ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo. Morreu sem ser condenado.
O senador Fernando Collor (PTB-AL) é um apreciador de comida japonesa. Neste ano, o Senado reembolsou três contas no restaurante Kishimoto, cada uma delas custando pelo menos R$ 1 mil. A assessoria do parlamentar já veio a público informar que os valores são usados para a alimentação dos funcionários do gabinete, gasto que é permitido pelas normas do Senado.
Na Câmara, a liderança do PSDB é campeã na apresentação desse tipo de nota. A preferência é pelo restaurante Coco Bambu, rede especializada em frutos do mar. Nos primeiros sete meses deste ano, foram 14 notas com valores entre R$ 1.280 e R$ 2.950. O valor total desembolsado pela Câmara nesse caso foi de quase R$ 27 mil.
Procedimentos
Ato publicado pelo Senado em 2011 que regulamenta os procedimentos para o ressarcimento das despesas dos senadores estabelece a apresentação de "nota fiscal ou nota fiscal eletrônica ou cupom fiscal original, em primeira via, datada e com a completa discriminação da despesa, isenta de rasuras, acréscimos, emendas ou entrelinhas, emitida em seu nome". Na nota à qual o Estado teve acesso está escrito apenas "refeições".
A churrascaria em que Cunha Lima ofereceu o jantar está entre as mais caras da capital federal. No cardápio, estão disponíveis carnes nobres e exóticas, como carne de avestruz. O cliente ainda pode optar por um buffet com pratos quentes, saladas, massas, pizzas, risotos e comida japonesa. Considerando um consumo aproximado de R$ 200 por pessoa, incluindo sucos ou refrigerantes e taxa de serviço, o valor apresentado na nota seria suficiente para oferecer um jantar para 38 convidados.
O gabinete do senador informou que o uso da cota parlamentar é feito da forma mais transparente possível. Por iniciativa própria, todas as notas emitidas pelo parlamentar estão disponíveis em seu site. Segundo a assessoria de imprensa de Cunha Lima, o jantar ocorreu depois da sessão especial do Senado e contou com a presença de "autoridades e parlamentares". Apesar de não informar o número de convidados, o gabinete informou que "o senador é extremamente criterioso com os gastos".
 
Questionada sobre a ausência do consumo discriminado na nota, o que é exigido pela Casa, a assessoria do parlamentar afirmou que "se o Senado referendou o documento dessa forma, não cabe ao senador responder por isso". A nota foi apresentada na época em que a secretaria responsável por esse controle no Senado era comandada por outro diretor, que foi afastado do cargo.
Mensalmente, cada senador tem direito a usar R$ 15 mil mais o equivalente a cinco passagens aéreas de ida e volta a seu Estado de origem, o que faz com que o valor seja diferente para cada parlamentar. Cássio Cunha Lima pode solicitar reembolso de R$ 35.555,20 todos os meses.
O Senado informou que não há regra que delimite o gasto específico com restaurantes. Se quiser, o senador pode gastar até o valor total da cota com alimentação.
Divergência
Os dados apresentados pelo Portal da Transparência do Senado indicam que a Casa pagou R$ 690,20 a mais pelo jantar, na comparação com a nota arquivada na churrascaria. Um documento do restaurante, ao qual o Estado também teve acesso, apresenta o valor de R$ 6.877,40, apesar de ter o mesmo número de série daquele apresentado ao Senado, onde consta o gasto de R$ 7.567,60.
No documento do restaurante, contudo, é possível observar que o valor menor foi escrito em cima do maior. Procurado, o Porcão informou que não adulterou a nota e que a diferença pode estar nos 10% cobrados pelo serviço. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
        
 

sábado, 19 de outubro de 2013

Deputado admite em fita que recebe propinas

   Josias de Souza

Presidente do PMDB de Minas Gerais, Saraiva Felipe exece o seu quinto mandato na Câmara dos Deputados. Entre 2005 e 2006, foi ministro da Saúde de Lula. Passou pela Esplanada sem ser notado. Não deixou marcas. Mas aproximou-se de logomarcas que se revelariam rentáveis.
Gravação revelada pelo repórter Gabriel Mascarenhas indica que Saraiva Felipe transformou seu mandato num bal
cão. Na
Deputado Saraiva Felipe: ‘De alguma forma é como se eu tivesse na folha… Sou despachante’
fita, o ex-ministro admite o recebimento de propinas de empresas farmacêuticas. Ele cita dois laboratórios —Hypermarcas e Cristália— e uma entidade de classe —Interfarma, Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa.
Saraiva foi gravado em fevereiro deste ano, na cidade de Belo Horizonte, por uma pessoa que se apresentou como representante de laboratório supostamente interessado em vender medicamentos para o programa Farmácia Popular, do Ministério da Saúde. O deputado soou inacreditavelmente receptivo:
“Tem dois tipos [de trabalho]: ‘Você me ajuda e, se der certo, eu te dou não sei o quê; e a outra forma é como eu trabalho para a Interfarma e a Hypermarcas: ‘Nós damos uma ajuda mensal e você, diante das demandas, encaminha aqui e ali.” Ao longo da conversa, o deputado jacta-se de abrir portas na pasta da Saúde e na Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Vale a pena ouvir algumas de suas frases:
1. Na folha: “A Hypermarcas não me dá dinheiro pra campanha. A Hypermarcas me dá um valor mensal e, em função disso, eu presto assessoria pro que interessar a eles junto à Anvisa, junto ao Ministério da Saúde. De alguma forma, é como se eu tivesse na folha da Hypermarcas.”
2. Mensalão: “Interfarma é lá do Antônio Brito, lá do Rio Grande do Sul. Eles fazem o seguinte: nós damos uma ajuda mensal e você, diante das demandas, você encaminha as demandas aqui e ali. É isso.”
3. Por empreitada, não: “Uma coisa que eu não topo é o seguinte: ‘a gente te dá uma demanda e, no dia em que a demanda for equacionada, a gente combina pagar por tarefa’. Aí eu não posso.”
4. Acesso: “O Dirceu Barbano [diretor-presidente da Anvisa] me ajuda muito. Tenho bom acesso a ele.”
5. Despachante: “Não sou de empresa nenhuma. Sou despachante.”
Ouvido, Saraiva Felipe reconheceu que é dele a voz que emerge da gravação. A despeito disso, declarou: “Isso não existe. Não recebo nada.” A Hypermarcas negou “veementemente quaisquer alegações que objetivem atingir a reputação da companhia.” O laboratório Cristália silenciou.
Antonio Brito, presidente da Interfarma, diz não ter feito, “em qualquer tempo, a quem quer que seja, ou por qualquer motivo, pagamento algum para defesa de suas posições junto às autoridades.” A Anvisa declarou que “atende com atenção e seriedade os pleitos encaminhados pelo Legislativo”. Acrescentou que “o mesmo se aplica ao deputado Saraiva Felipe.”
Está-se diante de um desses mistérios que reclamam uma boa e profunda investigação. A fita existe. Saraiva Felipe admite que a voz é sua. Mas nega ter recebido propinas. Só a Polícia Federal e o Ministério Público podem esclarecer se o caso é de hospício ou de penitenciária.