quinta-feira, 24 de março de 2016


Que impacto pode ter a planilha da Odebrecht no meio político?

24 mar 2016 17h58

Lista contém 316 nomes da oposição e da situação. Relação, isolada, não prova nada, mas é lembrete do potencial explosivo de eventual delação premiada da cúpula da empresa, que tem laços estreitos com o poder.
O mundo político brasileiro foi mais uma vez apanhado de surpresa na tarde desta quarta-feira (24/03) por revelações da Operação Lava Jato. Desta vez, os investigadores revelaram a existência de uma planilha com os nomes de 316 políticos de 24 partidos – do governo e da oposição –, ao lado de indicações de valores que teriam sido repassados pela Odebrecht, a maior empreiteira do país, que está profundamente implicada no esquema de desvios da Petrobras.
Vasta, a lista inclui governadores, prefeitos, ministros, senadores, deputados e vereadores. Entre os nomes que se destacam estão os do senador oposicionista e candidato derrotado à Presidência Aécio Neves (PSDB) e seu colega José Serra (PSDB); do ex-presidente José Sarney (PMDB); do ministro Jaques Wagner (PT); dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB); e até mesmo do ex-governador Eduardo Campos (PSB), que morreu num acidente aéreo em 2014.
O PT da presidente Dilma Rousseff lidera o número de pessoas na lista, com menção de ao menos 75 nomes. Em seguida vem o PMDB, com 45.
Segundo os investigadores, a lista, que foi apreendida em fevereiro na casa de um ex-diretor da Odebrecht, indica valores que teriam sido repassados nas campanhas eleitorais de 2012 e 2014. Os valores sugerem repasses que vão de 50 mil até 3 milhões de reais.
No entanto, o real significado dos dados da planilha ainda é uma incógnita e não é possível identificar se os valores indicados são ilegais e se foram efetivamente repassados para os políticos. Eles podem indicar repasses legais, como doações nominais e ocultas (quando o dinheiro é repassado para o comitê do partido, e não para o candidato) ou pagamentos ilegais, como Caixa 2 (doações não contabilizadas) e propina. O juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, declarou em despacho que qualquer conclusão sobre a natureza dos pagamentos é "prematura".
Só que reportagens na imprensa brasileira já apontam que existem algumas discrepâncias entre as doações oficialmente declaradas pela Odebrecht nessas campanhas e os números que aparecem na lista, o que reforça a tese de repasses ilegais. Em 2012, por exemplo, a Odebrecht declarou ter doado 38 milhões de reais para candidatos, mas a lista sugere que o montante pode ter chegado a 75 milhões.
Também causa estranheza menções de nomes de políticos que não concorreram nessas eleições, como a senadora Gleisi Hoffmann (PT) e o ex-presidente Sarney.
Entre as curiosidades, a planilha também revelou uma relação de apelidos criada pelos funcionários da Odebrecht para se referir aos políticos. Nela, a deputada comunista Manuela d'Ávila era chamada de "Avião"; Eduardo Cunha, de "Caranguejo"; o prefeito Eduardo Paes (PMDB), de "Nervosinho".
"Sensação de que todos são iguais"
O impacto da lista no meio político foi imediato. Dezenas de políticos ouvidos pela imprensa afirmaram que todas as suas doações em campanhas passadas foram regulares. Alguns, como o deputado Paulinho da Força (SD), não negaram relação com a Odebrecht, mas afirmaram que as doações foram totalmente registradas. Outros afirmaram que a lista provavelmente mistura o "legal com o ilegal". O prefeito de Florianópolis, Junior (PSD), chegou a sugerir que a lista pode ter sido forjada com o objetivo de implicar a oposição e assim prejudicar o processo de impeachment e talvez a própria Lava Jato.
Nas horas seguintes, políticos que não constavam na lista trataram de atacar rivais que tiveram seus nomes citados. Em redes sociais, usuários afirmaram que o episódio só aumentou o desgosto que sentem pelo cenário político. A citação de opositores e governistas na mesma lista reforçou ainda mais a "sensação de que todos são iguais".
Apesar das dúvidas que ainda cercam a planilha, ela parece indicar uma prévia do potencial explosivo de uma eventual delação premiada da cúpula do Odebrecht, que por décadas cultivou laços com centenas de políticos e hoje está quase toda na cadeia (o presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, já foi condenado a 19 anos de prisão).
Na terça-feira, a empresa divulgou nota afirmando que havia finalmente cedido e estava pronta para colaborar com os investigadores. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, desde que as notícias sobre uma eventual colaboração da Odebrecht apareceram, um clima de "fim do mundo" se instalou em Brasília por causa da ligação da empresa com o meio político.
No entanto, os procuradores da Lava Jato afirmaram que ainda não há um acordo. Segundo o Ministério Público, ele só seria possível caso a empresa não só admita o que já foi descoberto, como também revele outras ilegalidades que tenha cometido e "que ainda não sejam de conhecimento das autoridades".
Mas caso as negociações finalmente comecem, o potencial de estrago é imprevisível. Executivos de outras empreiteiras, como a Andrade Gutierrez e a UTC, já fecharam acordos de delação premiada que abalaram a imagem do governo, mas uma eventual confissão e colaboração da Odebrecht poderia gerar consequências ainda mais danosas para o Planalto.
Maior construtora do país, a Odebrecht mantém laços estreitos com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela foi responsável por doar milhões de reais ao instituto do ex-presidente e pagou 4 milhões de reais para que ele fizesse dez palestras, segundo investigações da Lava Jato. A empresa também está envolvida com as reformas do sítio em Atibaia, que a Polícia Federal suspeita ser de propriedade do ex-presidente. Uma eventual delação poderia esclarecer se esses pagamentos foram mesmo legais ou se eram resultado de uma troca de favores para que Lula usasse sua posição para agir como lobista da construtora.
A colaboração também poderia implicar fortemente o PMDB do vice-presidente Michel Temer e embaralhar ainda mais os possíveis cenários da sucessão caso Dilma perca o mandato.
Mas o impacto da delação não seria sentido só em Brasília, já que a Odebrecht possui centenas de contratos com todas as esferas do Poder Executivo no Brasil. Seus engenheiros e máquinas marcaram presença na renovação da zona portuária do Rio de Janeiro, nos estádios da Copa do Mundo e em centenas de obras pelo país, o que pode ampliar ainda mais o alcance da Lava Jato, que ainda está concentrada em investigar esquemas de corrupção na Petrobras e outras estatais.
Sigilo
A divulgação da planilha também levantou questões sobre o sigilo da investigações da Lava Jato. Inicialmente, Moro determinou que os documentos apreendidos com funcionários da Odebrecht em fevereiro fossem tornados públicos. Só que após a divulgação da planilha, o juiz voltou atrás e decretou sigilo mais uma vez – uma medida inócua depois da divulgação. Em seu despacho, o juiz alegou que só soube que a planilha estava nos autos após a divulgação pela imprensa.
Ao determinar novo sigilo, Moro pediu aos procuradores para que se manifestassem sobre o envio do documento para o Supremo Tribunal Federal, já que uma boa parte dos nomes citados possui foro privilegiado. Críticos de Moro se apressaram em apontar que o juiz não adotou o mesmo procedimento quando determinou a divulgação dos grampos telefônicos de Lula, que incluía conversas com pessoas que possuíam foro privilegiado, incluindo Dilma.

quarta-feira, 9 de março de 2016

A vida de sultão de Eduardo Cunha

Nova denúncia sobre ocultação de 5 milhões em propina em conta na Suíça expõe vida de luxo

Claudia Cruz e o marido, Eduardo Cunha.
Conforme a Operação Lava Jato vasculha nas contas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mais nítido se perfila um homem com um padrão de vida milionário e muito acima das possibilidades de um deputado comum. A mais recente denúncia contra Cunha, protocolada pela Procuradoria Geral da República na sexta-feira, traz uma radiografia das caríssimas preferências do peemedebista nas suas viagens internacionais com a família. No documento, onde Cunha é acusado de receber mais de cinco milhões de reais em propinas por viabilizar a compra pela Petrobras de um campo de petróleo na África, afirma-se que os extratos das contas secretas na Suíça de Cunha demonstram “despesas completamente incompatíveis como os rendimentos lícitos declarados do denunciado e seus familiares”. Despesas que, segundo o procurador Rodrigo Janot, foram pagas com o dinheiro desviado da estatal.
Entre os gastos de Cunha, que já virou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada sob a acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, chamou a atenção do procurador Janot a viagem a Miami de nove dias com a família no Réveillon de 2013. Entre 28 de dezembro e 5 de janeiro, Cunha gastou 42.258 dólares, cerca de 84.000 reais na época, e 169.500 reais na cotação atual. O salário de Cunha em 2012 era, segundo ele mesmo declarou, de 17.794 reais por mês.
Naquelas férias só em hospedagem há uma fatura de mais de 23.000 dólares. Destacam-se também os almoços e jantares em restaurantes de luxo cujas contas superaram os 6.000 reais. Um dos jantares em Miami Beach em 28 de dezembro, em um restaurante de comida asiática, superou os 1.000 dólares. No dia seguinte, o congressista foi às compras e desembolsou 2.327 dólares na loja Saks Fifth Avenue que vende artigos de grifes como Fendi, Valentino ou Yves Saint Lauren e 3.803 dólares na loja de grife Salvatore Ferragamo. Os dias de compras foram um plano recorrente durante essa viagem e repetiram-se despesas na Giorgio Armani (1.595 dólares) ou na Ermenegildo Zegna (3.531 dólares).
Um mês depois, Eduardo Cunha viajava a Nova Iorque e voltava a gastar na Salvatore Ferragamo mais 1.175 dólares, 909 dólares na loja da Apple Store e 1.668 no restaurante francês Daniel, chefiado pelo badalado chef Daniel Boulud. A conta de hotel no Hilton, no dia 12 de fevereiro de 2013, somou 2.761 dólares pela hospedagem de três dias.
Nesse mesmo dia, Cunha viajava a Zurique, na Suíça, onde os investigadores encontraram pelo menos cinco contas secretas no nome do deputado, da sua mulher Claudia Cruz, e da sua filha Danielle. Nessa viagem, do dia 12 ao dia 16 de fevereiro, Cunha gastou mais de 10.000 dólares em hospedagem em três hotéis diferentes.
O luxuoso rastro do deputado que se rebelou contra o Governo Dilma Rousseff no ano passado, quando rompeu publicamente com o Palácio do Planalto, se estendeu até Paris, onde gastou 2.500 dólares em um restaurante; em Barcelona, onde pagou 3.572 dólares em um hotel, e até na Rússia, onde liquidou uma conta de um restaurante de 3.000 dólares.
A lista de cinco páginas de despesas anexadas à denúncia parece não terminar nunca: 5.400 dólares na loja de Chanel em Nova York em setembro de 2013; 730 dólares em um bar de Veneza em março de 2014; ou quase 6.000 dólares por se hospedar em um hotel em Dubai em abril de 2014.
Janot ressalta que as despesas, “pagas com dinheiro proveniente de desvios da Petrobras”, continuaram mesmo após a eleição de Eduardo Cunha como presidente da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2015. Só nesse mês, os extratos de Cunha somam 31.800 dólares.

Perda de mandato

Os extratos bancários da filha Daniellle e a mulher de Cunha, a jornalista Claudia Cruz, que se declara “dona de casa”, são igualmente estrambóticos. Claudia gastou, em janeiro de 2014, 7.700 dólares na loja de Chanel em Paris; mais de 4.000 dólares na loja Charvet Place Vendome; 2.646 dólares em Christian Dior e quase 3.000 dólares na loja de Balenciaga. Em Roma, em março de 2014, Claudia, comprou 4.500 dólares em artigos da Prada, 3.536 dólares na Louis Vuitton de Lisboa e mais 3.799 no mesmo mês na loja de Chanel em Dubai. Já em 2015, as faturas em lojas de grife do cartão de Claudia somam 14.700 dólares. A filha de Cunha gastou, segundo a denúncia, mais de 42.00 dólares em lojas de luxo entre dezembro de 2012 e abril de 2014. Cruz e a filha, porém, não são alvos da denúncia, já que não têm foro privilegiado e devem responder, se houver acusação, na primeira instância judicial, o que pode ficar sob a alçada do juiz da Lava Jato em Curitiba, Sergio Moro.
Cunha nega as denúncias e rejeita a acusação de que o dinheiro venha de desvios da Petrobras. Na denúncia, que ainda será analisada pelo Supremo, Janot pede que o deputado devolva aos cofres públicos o rastreado em suas contas na Suíça além de pagar uma multa. Pede ainda que ele perca o mandato parlamentar pelo crime de falsidade ideológica eleitoral por não ter sido transparente sobre seus bens na prestação de contas de candidato.